sexta-feira, 14 de junho de 2024

ENTREVISTA COM ARQUITETA E URBANISTA ADRIANA DE OLIVEIRA BORGES


 

ENTREVISTA COM A ARQUITETA E URBANISTA ADRIANA DE OLIVEIRA BORGES

Adriana de Oliveira Borges (1970) é arquiteta e urbanista, atuando de forma autônoma desde 1995. Formada pela CESUP, atual Uniderp, em Campo Grande (MS), construiu grande parte de sua trajetória no estado, desenvolvendo projetos para clínicas de saúde, espaços gastronômicos, hotéis e ambientes corporativos. Em cada obra, busca conciliar funcionalidade, estética e integração com a paisagem local.

Com sólida experiência no centro-oeste brasileiro, Adriana se destacou pelo desenvolvimento de edificações sustentáveis, especialmente adaptadas às condições climáticas severas da região. Desde 2014, vem se aprofundando em soluções de arquitetura verde, ano em que concluiu seu MBA na área de Green Building.

Em 2016, iniciou uma vivência temporária nos Estados Unidos, motivada pelo desejo de ampliar sua formação técnica e acadêmica. Na Flórida, onde atualmente reside, cursou Business Management and Administration e segue envolvida com estudos em Interior Design e sistemas construtivos resilientes, com foco especial em zonas de risco climático e ambiental, tema recorrente em sua atuação no Brasil.

Apesar da experiência internacional, Adriana mantém vínculos profissionais e afetivos sólidos com o Brasil, onde construiu sua carreira, desenvolveu projetos de impacto social e mantém sua base familiar. Em solo americano, reconhece similaridades entre os ecossistemas do Everglades e do Pantanal sul-mato-grossense, território no qual atuou em diversas frentes. Hoje, compartilha suas reflexões e aprendizados sobre práticas construtivas que vêm ampliando sua visão crítica e técnica como arquiteta.

O que muda na arquitetura dos dois países que mais te chamou a atenção? 

ADRIANA DE OLIVEIRA BORGES;

 Moro na Flórida, onde a arquitetura é profundamente influenciada por fatores geográficos, culturais e condições únicas de desenvolvimento e industrialização. Na minha visão, o que mais nos diferencia dos americanos é a capacidade de planejamento abrangente, construção rápida e manutenção eficiente.

Aqui, o planejamento urbano é uma questão de sobrevivência. Highways são essenciais para interligar as cidades e fornecer rotas de escape em caso de desastres naturais. Cidades inteiras às vezes precisam ser evacuadas, e os americanos aprendem com essas experiências dolorosas, tornando-se especialistas nessa área. Assim, as cidades precisam ter um crescimento ordenado, orientando a expansão urbana de forma a preservar a vida das pessoas.

Além disso, há uma preocupação em garantir que os bairros contemplem serviços como escolas, hospitais, supermercados, bombeiros, farmácias, agências bancárias, entre outros, para atender à comunidade local. Regulamentações especiais como a altura dos edifícios ajudam a garantir que a infraestrutura existente não seja sobrecarregada e que os serviços essenciais estejam facilmente acessíveis a todos os residentes. Isso é determinado por uma combinação de fatores como densidade do bairro, capacidade do sistema viário e incentivos específicos para melhorias urbanas. Portanto, a altura dos edifícios na Flórida é planejada cuidadosamente para garantir segurança, eficiência e um ambiente urbano bem estruturado.

Complementando essa abordagem, outras iniciativas como lagoas para a captação da água da chuva são implementadas para prevenir alagamentos. No período de maio a outubro, toda a região da Flórida enfrenta tempestades praticamente diárias. Toda essa água, se não contida, teria um impacto negativo nas áreas urbanas, ocasionando inundações que poderiam trazer sérios problemas no dia a dia dos moradores e turistas. A água captada nessas lagoas é reutilizada para irrigação, promovendo a sustentabilidade. Esses elementos não apenas protegem contra enchentes, mas também promovem a biodiversidade e criam espaços públicos agradáveis para atividades ao ar livre.

Entretanto, o grande diferencial no contexto americano está na industrialização, que padronizou materiais e sistematizou todo o processo de construção. Isso permite que as casas cheguem prontas para serem montadas, maximizando os benefícios ao diminuir o desperdício, agilizar a construção e economizar mão de obra. O próprio conceito da casa americana também chama a atenção. As casas são centradas na praticidade, refletindo uma mentalidade que prioriza o conforto e funcionalidade de forma econômica. Além disso, o layout é projetado para acomodar demandas diárias dentro de uma cultura que valoriza a produtividade, a cooperação e o tempo de qualidade em família. Essas necessidades se manifestam no conceito aberto que promove a convivência e na implementação da tecnologia, facilitando as tarefas diárias.

Quais as novas formas construtivas que te chamaram a atenção no local em que você está?

 

ADRIANA DE OLIVEIRA BORGES;

Devido ao processo de industrialização e ao favorecimento da montagem rápida, é comum a utilização de técnicas como Wood e Light Steel Frame. Essas técnicas envolvem o uso de peças de madeira ou metálicas pré-fabricadas, além de fechamentos externos e internos com drywall. A madeira utilizada é certificada e proveniente de reflorestamento, permitindo seu uso em larga escala, com montagem mais rápida e menos desperdício. Hoje é obrigatório na Flórida que as construções tenham paredes externas de cimento, devido à frequência de furacões, mas internamente é comum utilizar essas técnicas de construção a seco.

Esse estilo de construção é conhecido por ser leve e flexível, e uma vantagem significativa dessas edificações é a resistência a ventos fortes e baixas temperaturas. Embora possam parecer frágeis, essas construções são herméticas e bem vedadas, com telhados completamente selados. 

Para o telhado, as telhas shingle são amplamente empregadas por ser uma opção barata e resistente, adaptando-se a todas as inclinações de telhado. Elas proporcionam um melhor aproveitamento do sótão e, apesar de finas, não esquentam o ambiente interno. Durante o processo de instalação, é feita uma câmara de ventilação entre o forro e o telhado, permitindo a entrada e saída de ar, e mantendo a temperatura interna agradável. Entretanto, recentemente o uso de telhas shingle vem sendo substituído por telhas de concreto, que agregam maior valor ao imóvel.

Diferentemente do Brasil, onde é possível fabricar esquadrias de qualquer tamanho, aqui elas são padronizadas e resistentes a impactos, com dimensões pré-definidas e precisam ser aprovadas pelo governo. Elas são equipadas com vidros duplos, oferecendo conforto termo-acústico e proteção contra a pressão do vento. Além disso, as portas externas de residências e estabelecimentos comerciais abrem para o lado de fora, proporcionando segurança extra em caso de ventos fortes e furacões.

O que difere a arquitetura de interiores no Brasil e nos Estados Unidos? 

 

ADRIANA DE OLIVEIRA BORGES;

 As demandas diárias dos americanos se dão em torno de um estilo de vida marcado pela jornada de trabalho e escolar, no qual os momentos em família durante o café da manhã e jantar são altamente apreciados. Isso se reflete no layout das casas onde o conceito aberto integra espaços como cozinha, estar e jantar, promovendo a convivência em família. A ergonomia no design cria espaços amplos e multifuncionais como a cozinha tradicional americana - considerada o coração da casa - equipada com ilhas ou penínsulas planejadas, despensa, fogão, microondas, geladeira e máquina de lavar louças. Para facilitar a logística, a lavadora e secadora de roupas são estrategicamente localizados no hall dos quartos. Closets e walk-in closets são equipados com aramados, devido a preferência por roupas penduradas proporcionando uma vida mais independente, sem a necessidade de passar.

Os acabamentos são utilizados de forma objetiva, de fácil aplicação, sendo comum encontrarmos azulejos nas cozinhas e banheiro somente nas áreas molhadas. Além disso, texturas são aplicadas em paredes e tetos visando, ao mesmo tempo, corrigir falhas, baratear o processo e economizar tempo. Já o piso dos quartos e da área íntima da casa, é geralmente revestido com carpete, enquanto no restante da casa  encontramos piso cerâmico ou vinílico. Nas casas com dois pavimentos o layout oferece acomodações completas no térreo para idosos ou pessoas com problemas de mobilidade, e nestes casos, a escada de acesso ao segundo pavimento também é revestida com carpete, com o propósito de evitar acidentes.

A arquitetura americana também reflete a influência inglesa em elementos clássicos como colunas, papéis de parede florais, gabinetes com portas almofadadas, abajures e lustres elegantes e uma paleta de cores quentes. Mesmo nas construções contemporâneas, esses elementos tradicionais são frequentemente incorporados. O estilo harmoniza o clássico com o contemporâneo, preservando a herança histórica enquanto atende às demandas da vida atual. 

Você sempre valorizou a arquitetura sustentável, o que mudou na sua forma de projetar e ver a arquitetura nos dias atuais? 

 

ADRIANA DE OLIVEIRA BORGES;

Sempre busquei estabelecer uma conexão sólida com a cultura local, incorporando métodos e materiais típicos da região sul mato-grossense em meus projetos. Priorizo a reciclagem e o reuso de materiais, pela questão da consciência ambiental e valorização dos recursos disponíveis. 

Minha abordagem é contemporânea, pois concentro-me em resolver de forma prática os desafios reais que as pessoas enfrentam em seu dia a dia, sempre considerando a viabilidade econômica. Isso quer dizer não atender apenas às necessidades imediatas, mas criar soluções acessíveis e sustentáveis a longo prazo, proporcionando qualidade de vida de maneira eficiente. 

Hoje também percebo a arquitetura como uma ferramenta vital para enfrentar os desafios da vida moderna. Como arquitetos, temos o papel fundamental de facilitar e resolver questões concretas, indo além da estética para criar espaços que promovam a sustentabilidade, a eficiência e o bem-estar. 

 

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